Entre Vistas: IVERSON CARNEIRO E O MOVIMENTO POETAS PELA DEMOCRACIA

 

O paraense Iverson Carneiro fez história na Paraíba


Iverson Carneiro é um poeta brasileiro nascido em Bragança, no Pará. Residiu na Paraíba entre os anos 1979 e 1988. Logo depois mudou-se para o Rio de Janeiro onde vive ainda hoje. Iverson inaugura a série de entrevistas que será publicada no blog Praça da Paz, com artistas, intelectuais e fazedores de cultura da Paraíba.

Nosso poeta convidado publicou cinco livros de poemas e em novembro lançará “A liberdade é um céu em que habitam virgens e capetas”, pela Ventura Edições. Iverson participa ativamente de diversos movimentos poéticos no Rio e Janeiro e aqui na Paraíba deixou boas lembranças na militância poética com artistas e poetas como o saudoso Lúcio Lins, Chico Lino Filho, Pedro Osmar e outros.

No próximo dia 22 de julho, 18h, ele estará na Paraíba com o evento “Poetas pela Democracia”, já realizado em outros estados e países. Para isso estamos convidando poetas, escritores e artistas em geral para o vento que deverá se realizar num lugar que se tornou um dos principais palcos da cultura paraibana, o Cherimbom, localizado na Rua Rosa Lima dos Santos, 621 – Bancários, João Pessoa.


ENTRE VISTA:

P - Como o cidadão Iverson Carneiro descreveria o poeta Iverson Carneiro?
R – Iverson é um cidadão e um poeta com todas as inquietudes e todas as dúvidas possíveis aos seus sessenta e quatro anos de vida.

P - Qual é o seu marco zero na poesia? Como foi que tudo começou?
R – Quando tinha 17 anos, eu frequentava uma roda de intelectuais biriteiros lá em Belém que se reunia todo final de semana num bar que tem ao lado do Teatro da Paz. Dessa roda faziam parte os quarentões da época, como o poeta Rui Barata, o Professor universitário Fernando Arara, os cantores Luiz Pinto e Valter Bandeira. Eu era uma espécie de mascote do grupo. Uma vez eu estava começando a rascunhar algumas coisas. Na verdade, comecei a escrever por volta dos 16 anos. Um dia eu cheguei para o Rui Barata e perguntei: “você poderia ler essas coisas que eu ando escrevendo e que eu acho que são poesia?” O Rui chamava todo mundo de irmãozinho. Então ele disse, “dá pra mim, irmãozinho”.  Pegou os poemas e leu, releu, trileu. Leu diversas vezes. Virou pra mim e disse: “Irmãozinho, você quer a minha opinião sincera ou quer que lhe agrade?” Então eu respondi: “eu quero a sua opinião sincera, se eu quisesse elogio pedia para minha mãe ler”. Daí ele disse: “Irmãozinho, isso aqui tudo é uma merda, mas continua bebendo que um dia tu aprendes a escrever. Então eu continuei metendo o pé na jaca. Não entendi, naquele momento, como adolescente que eu era, que ao dizer que eu deveria continuar bebendo, ele estava querendo dizer que eu deveria continuar lendo os clássicos. Tinha aquelas coisas de beber nos clássicos, né? E eu continuei enfiando o pé na jaca.

5 - Quantos livros você publicou? Fale um pouco de cada um.
R – Livros mesmo eu publiquei cinco. Antes eu havia publicado oito livretos mimeografados. O primeiro deles em 1981. Na verdade, nem era mimeografado. Eu fiz um folheto com estrutura editorial de Cordel. Mas dos meus livros, o primeiro foi um livro pequeno reunindo vinte sonetos e chamado de “Dos sonetos em fé maior”. Era um momento em que eu estava de saco cheio da mesmice que estava se dando na poesia brasileira, pelo menos era o que eu entendia naquele momento, né? Uma coisa muito de mesmice. Todo mundo querendo ser diferente e todo mundo sendo igual. Então eu resolvi publicar um livro de Sonetos. O segundo, “Observações do Rio”, é o livro da minha chegada no Rio de Janeiro. De certa forma mostra o meu encantamento pela cidade. Um livro publicado em 98, mas todo ele escrito entre 88 e 91, mais ou menos. O terceiro, “Moleque velho”, eu chamo de meu livro de transição. Tanto que eu fiz questão de ter nas orelhas um poeta carioca e um poeta paraibano, o Totonho. E nos prefácios, um poeta carioca e um poeta paraibano, Tanussi Cardoso e Chico Cesar. A capa era para ser do Pedro Osmar, mas eu mandei uma ilustração do meu filho e Pedro disse que não precisava fazer a capa porque eu já tinha a capa (feita por Igor). O quarto livro eu chamo de livro do meu amadurecimento como poeta. O livro “O vadio de casaca”, justamente, tem esse sentido.  Do cara que finalmente vestiu a casaca de poeta e pode se dar o luxo de vadiar pelas palavras porque já está suficientemente amadurecido pra isso. E o quinto, como o próprio título diz, “As horas do tempo”, é uma reflexão sobre o momento que a gente vive. Sobre o presente, “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”, como disse Drummond. Mais ou menos isso.

P- Como foi sua passagem pela Paraíba? Que movimentos moviam a cena cultural? Que poetas habitavam a cena literária naquele momento?
R – Minha chegada na Paraíba se deu em 1979, bem no começo do ano. Eu fiquei até 88. Na época eu me lembro, no nascedouro, a Paraíba vinha da Geração 59 e da força da música, da força do movimento musical dos anos setenta que revelou entre outros, Elba, Zé, Vital. Mas tinha um hiato nessa coisa aí. O hiato estava sendo preenchido naquele momento pela Oficina Literária, um movimento produzido e articulado pelo nosso saudoso Tota Arcela e que revelou poetas muito legais. Eu cito como expoentes dessa turma, o Chico Lino Filho e também a Dira Vieira. Estaria entre esses expoente, se estivesse viva, a nossa querida Violeta Formiga. Só que a Oficina era um movimento que transitava em torno da Diretoria Geral de Cultura (anterior à FUNJOPE) e de um cara muito bacana que a gestão cultural da Paraíba teve, um sujeito chamado Raimundo Nonato Batista. Era uma pessoa extraordinária. Então surge um contraponto a esse movimento que era, de certa forma institucional, o movimento que se pretendia à margem de todas as instituições. Capiteneado pelo bom e velho Pedro Osmar que reunia em torno de si músicos e poetas paraibanos que não se articulavam com a então cultura estabelecida. Eu, recém-chegado à João Pessoa, hyppie, vendia artesanato no Ponto Cem Réis, me articulei com esse movimento. Era um movimento que girava em torno do Pedro Osmar e da sua ideia do Jaguaribe Carne e suas extensões. O Musiclube e inicialmente o projeto “Lá vem a moçada pelas ruas da cidade” que deu origem ao Movimento dos Escritores Independentes. Dentro desse movimento tínhamos figuras como o Paulo Ró, Vandinho de Carvalho, Lúcio Lins, Chico Cesar, Escurinho, Mosquito e um pouquinho depois Totonho e outros. Então eu me articulei naquele tempo em torno do “Lá vem a moçada” que tinha o grupo Som da Terra, cuja cantora, Janda, viria se tornar minha primeira companheira e mãe do meu filho. Enfim, eu me articulei em torno desse movimento aí que era inteiramente à margem da cultura estabelecida.

P - O que ainda te liga ao Pará, tua terra natal?
R – Minhas raízes. Essa ligação é eterna, mas além dela a minha família que ainda mora praticamente toda lá. Só eu, meus filhos e alguns sobrinhos lá em Brasília, moramos fora do Pará. Além desses, os cheiros e sabores da terra. Também a praia de Ajeruteua que eu não deixo de visitar sempre que lá em vou. Essa praia fica na minha cidade, Bragança que é uma cidade do litoral paraense há 210km de Belém. Cidade pequena, de cem mil habitantes ou pouco mais. Estive lá recentemente e fiquei muito feliz com o que eu vi em termos de crescimento, principalmente da cultura da cidade. Uma cidade que produz muito culturalmente e que tem uma cultura muito enraizada, elementada pela sua raiz negra cujo símbolo maior é São Benedito. A cultura da cidade gira muito em torno do Santo Preto.

P - Como nasceu o movimento Poetas pela democracia?
R – O movimento Poetas pela Democracia surge num momento de efervescência política. Talvez o último grande momento de efervescência que a gente viveu. Quando eu falo de efervescência eu falo de uma coisa extra eleitoral que se deu em 2016, a partir do movimento de ocupação cultural das escolas públicas. Um movimento que começa em São Paulo em 2015, mas que se espalha e se expande em 2016 a partir do Rio de Janeiro e depois pelo país todo e pela América do Sul. Nós tivemos movimento de ocupação estudantil na mesma época no Chile, no Paraguai, na Bolívia, no Uruguai, na Argentina. Primeiro porque a gente tinha vivido a triste experiência de tomada das ruas pela extrema-direita em 2013 e o golpe contra a presidenta, Dilma. Uma presidenta constitucional, eleita regularmente e que não tinha cometido crime nenhum que justificasse a sua deposição. É nesse contexto que surge o movimento Poetas Pela Democracia. Há um arrefecimento depois e agora ele renasce mais uma vez quando a democracia se vê ameaçada. Não é segredo pra ninguém que conheça a História, que em todos os momentos determinantes, a participação dos poetas sempre foi uma coisa muito forte e não poderia ser diferente neste momento quando a gente vive uma luta encarniçada contra o fascismo que tem se institucionalizado no país. É nesse momento que surge e é importante o movimento Poetas pela Democracia.

P - Como você vê o nosso país atualmente? Qual foi o gatilho para o ódio disseminado enquanto valor político e a ascensão do fascismo?
R – O país que nós temos hoje é fruto dos nossos próprios equívocos, né? A gente precisa fazer essa autocrítica, poeta. Não tem como não fazer.  Se a gente quiser sair dessa o primeiro passo é fazer autocrítica. Em 2013, quando surge o movimento “Não é só pelos 20 centavos”, a esquerda inicialmente vai para a rua em apoio a esse movimento. Era um movimento estudantil de São Paulo e ao se ver na rua, a esquerda é confrontada por algo que já estava infiltrado naquele movimento que era uma direita liberal que não admitia a participação da política porque queria ter o monopólio do movimento. E aí surge a ideia de não permitir bandeiras partidárias. E o que fazem os partidos de esquerda? Enrolam suas bandeiras e vão pra casa. Com isso entregam inicialmente a rua na mão da direta liberal que não sabia que por trás de si própria se articulava a extrema-direita com um projeto fascista de poder e assim o fascismo vai se afirmando até conseguir conquistar a direita liberal sendo usada como bucha de canhão. O fascismo se afirma até chegar ao ponto de eleger o presidente da República e nos levar à essa situação vexatória que a gente vive hoje diante do mundo e diante do nosso povo. O povo passando fome. O país de volta ao Mapa da Fome. A inflação disparando, tudo disparando. Tudo que há de ruim que gente tinha conseguido à duras penas superar, está de volta.

P - O que devemos fazer para combater esse ódio? É possível a convivência dos diferentes?
R – Não só é possível a convivência entre os diferentes, como é necessária. Principalmente neste momento. Nós não temos outro caminho no momento. A esquerda não tem outro caminho no momento que não seja o de defender e fortalecer a democracia burguesa. Nós demos muitos passos para trás, infelizmente. E agora precisamos recuperar o tempo perdido, mas só vamos recuperar esse tempo perdido se nesse momento a gente se render à realidade. O mundo real não é o mundo ideal e o mundo real nos pede hoje o fortalecimento da democracia burguesa. Não temos outro caminho a trilhar. E fortalecendo a democracia burguesa a gente vai ter condições de afirmar a convivência entre diferentes. Afirmar a diversidade tão necessária nesse momento.

P - O que você espera do próximo governo nas áreas de Educação e Cultura, especialmente?
R – Na área da Educação eu espero de um governo Lula - que é o que eu espero que a gente tenha a partir do dia primeiro de janeiro. Espero que sejam implementadas para valer as teses e o pensamento dos grandes mestres da Educação, como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darci Ribeiro e outros. Acho que não temos outro caminho para a Educação. Obviamente que a gente não pode deixar de considerar que as teses e o pensamento desses grandes mestres, hoje só é possível se tivermos o suporte da tecnologia. A revolução tecnológica nos impõe mudanças de paradigmas. Até para que sejam viáveis essas teses e esse pensamento. E quanto à Cultura, meu caro, eu diria que nós só temos uma saída. Investir, investir, apostar e apostar muito mesmo em Poesia. Poesia não é aquela que está só no poema. A Poesia está em tudo. Está no Teatro, está no Cinema, na prosa, nas Artes Plásticas, na Ciência. Está na vida. Não temos outro caminho para a cultura se não o investimento pesado em vida que é o grande contraponto da morte. Algo assim como Éros e Tânatus.

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